sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

6ª Reunião - 24/02/2021

Após o recesso já informado nas outras postagens, voltamos ontem, dia 24 de fevereiro, à programação normal (pelo menos no contexto de pandemia) do PIBID: reuniões às quartas-feiras. Nesse encontro de retorno, o foco principal foi a apresentação, concisa devido ao tempo, da atividade “o encontro com o outro”.

No entanto, antes de relatar como se deu as apresentações, gostaria de escrever sobre uma fala da Professora Socorro (uma das professoras-supervisoras do PIBID) que ocorreu um pouco antes do início oficial da reunião e que achei muito importantes.

Ela trouxe a informação de uma cartilha do Ministério da Educação a respeito das práticas que os alunos devem adotar ao retornarem às aulas presenciais. De acordo com as palavras da Professora Socorro, com as quais estou de acordo, essas recomendações são utópicas¹ considerando a realidade da maioria das escolas públicas não só de Maceió, como de todo o Brasil. Algumas dessas recomendações são: os alunos devem lavar frequentemente as mãos, falar entre si com uma distância de 1 metro no mínimo. Dando como exemplo a escola que eu concluí o ensino médio, na qual constantemente havia falta de água, e sabendo que problemas de infraestrutura como esse são, infelizmente, comuns às escolas públicas brasileiras, entendemos a falta de senso de realidade dessa cartilha, que é algo que frequentemente falta em documentos e leis a respeito do ambiente educacional. Como eu disse na reunião, é mais uma obra dos governantes para inglês ver.

Retornando às apresentações, elas ocorreram da seguinte forma: dois integrantes de cada grupo² apresentariam uma ou duas cenas que, para eles, foram as mais marcantes, seja no sentido pessoal, seja no sentido de cumprir bem o que a atividade “o encontro com o outro” pedia. Os representantes do meu grupo foram eu e a minha colega Nathally, ficando acordado que cada um falaria sobre uma cena escolhida livremente.

Fomos os primeiros a apresentar, começando por ela, que falou sobre a cena na qual Orlando tenta se comunicar com os índios, utilizando de mímica para demonstrar qual o significado da palavra “avião”. A Professora Andrea fez um ótimo comentário, dizendo que essa é a primeira troca que ocorre no encontro com o outro: a da comunicação, a linguagem, principalmente quando o outro faz parte de um povo diferente.

 Eu selecionei a cena na qual Cláudio leva a família de caiabis ao posto médico próximo à aldeia de outro povo indígena (pelo o que eu lembro, não é dito o nome desse povo). Há uma confusão, porque os indígenas que já se encontravam lá não querem aceitar os caiabis, mas Cláudio intervém argumentando da seguinte maneira: “vocês não podem brigar entre si. O inimigo é o branco”, sendo ele mesmo branco. Para mim, foi uma das principais cenas para entender o que seria o deslocamento que o pesquisador precisa fazer para obter uma boa investigação etnográfica, visto que Cláudio, ao dizer que o inimigo é o grupo étnico-cultural do qual ele vem, demonstra a imersão quase completa que ele realiza, compreendendo o mundo, o máximo que pode, a partir do olhar do grupo no qual ele se introduz.

Percebam que, no parágrafo anterior, eu tenho o cuidado de não afirmar que Cláudio atingiu uma imersão completa no povo indígena, portanto não é capaz de enxergar o mundo totalmente através de uma ótica indígena. Provavelmente eu não teria essa consciência em relação a isso caso não tivesse ouvido a Wanneska e o Silvino analisarem as cenas que escolheram.

Eles selecionaram um momento no filme no qual há um conflito entre o Cláudio e o líder da família caiabi, que acaba sendo resolvido após Cláudio apontar uma arma para o indígena. Com essa cena, os dois demonstraram que, embora haja, sim, um grande deslocamento da posição do eu para o lugar do outro por parte do Cláudio, esse movimento nunca será total, pois sempre restará resquícios do eu. No caso da cena, Cláudio assume que sabe do que o indígena precisa mais do que ele próprio, utilizando até da força para fazer valer sua opinião. Essa posição é historicamente assumida pelo homem branco em relação ao indígena e, mesmo com a entrega do Cláudio na sua vivência com o outro, esse lugar de superioridade ainda está lá para ser utilizado quando necessário.

Com o fim das apresentações, a Professora Andrea deu continuidade às explicações teóricas sobre a abordagem etnográfica na pesquisa educacional. Inicialmente, ela trouxe as diferenças entre a pesquisa etnográfica tradicional e a pesquisa educacional feita pela linguística aplicada. Estabelecida essa distinção, a Professora Andrea, utilizando de algumas cenas do filme “Xingu” para melhor elucidação, aprofundou-se na abordagem etnográfica, expondo seus princípios e noções.

No final da explanação teórica, ela listou as abordagens que geralmente andam de mãos dadas com a etnografia. Ao citar a Análise Dialógica do Discurso, que é uma área de Linguística baseada na filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin, veio novamente na minha mente, só que com mais força, um conceito que, desde o início dos estudos com etnografia, vagueia na minha mente: o excedente de visão. A primeira vez que ouvi sobre esse conceito foi na 1ª Jornada Bakhtiniana da UFAL, em uma fala da professora Ana Clara, e achei muito interessante. A partir de Bakthin (2006, p. 210, apud Silva e Paula, 2015), temos o seguinte sobre o excedente de visão:

Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar – cabeça, o rosto e sua expressão –, o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila de nossos olhos. Assumindo a devida posição, é possível reduzir ao mínimo essa diferença de horizontes, mas para eliminá-la inteiramente urge fundir-se em um todo único e tornar-se uma só pessoa.
Esse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha posse – excedente sempre presente em face de qualquer outro individuo – é condicionado pela singularidade e pela insubstitutibilidade do meu lugar no mundo: porque nesse momento e nesse lugar, em que sou o único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos os outros estão fora de mim. (2006, p.210, grifos do autor)

            Relacionando esse conceito bakhtiniano com a etnografia, percebemos que o pesquisador, ao abordar etnograficamente o grupo pesquisado (o outro), ou seja, buscando “compreender a maneira de viver do ponto de vista dos nativos da cultura em estudo” (FINO, 2008), atinge esse excedente de visão, deslocando-se da sua posição de “eu” para ir ao lugar do “outro” e sendo capaz de enxergar o mundo a partir de uma ótica situada fora de si.

            Por fim, a questão da análise do discurso despertou meu interesse desde as primeiras aulas, por causa do da disciplina “Análise do Discurso”, ministrada pelo professor Helson Flávio da Silva Sobrinho. Devido ao meu primeiro contato com essa área ter sido a partir da perspectiva pecheutiana, essa linha me atrai mais no momento. No entanto, conhecendo, mesmo que superficialmente, por quais áreas a Professora Andrea pesquisa, é bem provável que Análise Dialógica do Discurso se sobressaia em relação à baseada nos estudos do Michel Pêcheux. Esperemos para ver! Até a próxima!

 

Nota 1: é importante tentar clarear como a palavra “utópica” foi usada nessa situação, aliás, como eu a signifiquei nesse contexto, visto que não foi dita por mim. No caso em questão, o termo foi utilizado, como geralmente acontece, para negativar algo (a cartilha), adjetivando um sentido de impossibilidade ao extremo ou, no popular, “viajar na maionese”. Entretanto, “utopismo” não carrega apenas esse significado, e, devido a visão de mundo e o sentido político que trago comigo, é necessário explicar aqui um outro sentido seu. Considerando a terminologia dessa palavra, seu sentido está mais para “não lugar”, ou seja, um lugar que (ainda) não existe, do que para “lugar impossível de existir”. Dessa forma, quando se fala sobre uma sociedade justa, sem opressão ou exploração, os céticos, os pessimistas e, principalmente, aqueles que se beneficiam da configuração socioeconômica na qual vivemos já a classificam como utópica, referindo-se ao primeiro sentido que eu trouxe, o negativo. Porém, aqueles que creem na possibilidade de mudança e, sobretudo, agem para isso compreendem de maneira positiva o utopismo contido nessa esperança (do verbo esperançar, como diria Paulo Freire), pois sabem muito bem que esse “não lugar” se tornará “lugar” um dia. Para concluir essa nota de rodapé enorme, o utopismo presente não só na cartilha, como também em diversos outros documentos, leis, instituições que formam esse Estado protetor dos poderosos (como a Justiça, a Constituição e a Democracia), diferencia-se do utopismo existente na ideia dessa sociedade melhor porque não objetiva passar de “não lugar” para “lugar, ou seja, não tem pretensões de um dia sair do mundo das ideias.

Nota 2: Talvez eu já tinha dito, mas nós, pibidianos, fomos divididos em grupos e cada grupo é supervisionado por uma professora-supervisora do ensino básico.      


Referências: 

FINO, C. N. A etnografia enquanto método: um modo de entender as culturas (escolares) locais. In Christine Escallier e Nelson Veríssimo (Org.) Educação e Cultura, 2008, DCE - Universidade da Madeira.

SILVA, Tatiele Novais; Paula, Luciane de. Refrações de Elena: a construção do verbo-voco-visual dos sujeitos. Grupo de Estudos Discursivos, 30 de dez. de 2015. Disponível em: <https://gediscursivos.wordpress.com/2015/12/30/refracoes-de-elena-a-construcao-verbo-voco-visual-dos-sujeitos/>. Acesso em: 26 de fev. de 2021. 




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